Doutor, raio-x é tããão século XX...
Em uma era em que acostumou-se a se pensar micro, o sucesso se tornou algo pequeno, restrito, em poucas palavras, indie. A música acompanhou esse processo, e fato é que discos totalmente desprovidos de ambição são laureados, ganham seus Mercury Prizes, e entram pra história. Não que eu esteja negando a mágica de um Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not ou, muito menos, o marco de um Is This It da vida, só deixo claro a tendência atual na música pop de não se fazer música de grande escopo.
É por isso que um disco tão ambicioso quanto Lungs surpreende. Ele é um disco expansivo, seu som espalhando-se por todos os lados, contando fábulas de violência e amores desfeitos. Florence Welsh, que com seu coletivo forma o Florence + The Machine, definitivamente queria ser lembrada. Ela escreve com a sinceridade de quem não tem nada a perder. Em “Kiss with a Fist” ela descreve uma briga violenta, que termina com “Eu pus fogo em nossa cama”. Temos um sentido aí. Porém, em “Girl with One Eye”, a faixa seguinte, ela conta “Eu peguei uma faca e cortei o olho dela fora/Eu o levei para casa e o assisti murchar e morrer”. Temos um sentido completamente diferente; há um senso de que pôr fogo na cama seria fácil até demais para ela.
Antes de uma queimadora de camas e antes de uma artista, no entanto, Welsh é uma Voz, e é essa Voz que guia o álbum, a voz de um desespero contido, de um ser perto de explodir, ou de se sublimar para sempre. Musicalmente, Lungs é apoteótico, quase profético, em termos. “Rabbit Heart (Raise It Up)”, melhor faixa do conjunto e uma das melhores do ano, vê Welsh cantar sobre sacrifício e o conto de Midas, se transformar em um coral e desabrochar num refrão cheio cheio de pianos e violinos crescentes. “Cosmic Love” leva esse crescendo ao infinito e “Drumming Song” é, como o título explicita, construída em cima de uma batida psicótica.
Todas as músicas expõem a carne e o sangue de Welsh e as três que acabo de comentar trazem revelações essenciais ao espírito de Lungs. Em “Drumming Song” ela descreve sua loucura: “Mais doce que o céu, mais duro que o inferno”. Em “Cosmic Love”, sua vida: “Sem amanhecer, sem dia, estou sempre neste crepúsculo”. Mas em “Rabbit Heart (Raise It Up)”, ela lança a pergunta derradeira sobre si mesma: “Quem é o cordeiro e quem é a faca?”. Essa pergunta assombra o álbum, e seus ouvintes, do início ao fim. Para o bem ou para o mal, Lungs, bem como sua criadora, é uma besta em carne-viva.
Nota: 9,5
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